domingo, 27 de setembro de 2009

Mendigos e Altivos


Deus é grande! – respondeu o mendigo. – Mas que interessam os negócios. Ele há na vida tantas alegrias. Não estarás tu a par do caso das eleições?
- Não, nunca leio os jornais.
- Esse não vinha nos jornais. Contaram-mo.
- Diz lá então.
- Ora ouve! O caso passou-se há pouco tempo, numa aldeola do Baixo Egipto, durante as eleições para a junta de freguesia. Quando os funcionários do governo abriram as urnas, notaram que na maioria dos boletins de voto estava escrito o nome Bargute. Ora os ditos funcionários do Governo não conheciam tal nome, que não figurava na lista de nenhum partido. Inquietos, logo se puseram à cata de informações; e acabaram por saber, pasmados de todo, que Bargute era o nome de um burro por quem toda a gente da aldeia nutria muita estima, por via da sabedoria do animal. Quase todos os moradores tinham votado nele. Que me dizes tu a esta história?
Gohar respirou com júbilo; sentia-se extasiado. “São ignorantes e iletrados”, disse para consigo, e “no entanto acabam de fazer a coisa mais inteligente conhecida no mundo desde que há eleições.”
(…)
É claro, não foi eleito. Estás tu a ver, um burro de quatro patas! O que eles queriam, lá os do governo, era um burro só de duas patas. (...)

Albert Cossery, Mendigos e Altivos, Antígona

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